Projeto busca entender relações entre a história das favelas e a da cidade do Rio de Janeiro
Em 1887, os soldados que voltavam da Guerra de Canudos começaram a se fixar no atual Morro da Providência, considerado por especialistas a primeira favela do Rio de Janeiro. Na época, a população da então capital federal acreditou que esse seria um fenômeno efêmero. Porém, o desenvolvimento da cidade fez com que as favelas crescessem e se tornassem parte da paisagem. Hoje, são mais de 600 espalhadas por toda a cidade, com uma população de um milhão de pessoas e intensa atividade econômica.
Cento e vinte anos depois, a história dessa transformação urbana é objeto de interesse acadêmico. Um grupo de arquitetos coordenados por Cristóvão Duarte, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acaba de iniciar um projeto que pretende investigar como a história das favelas se relaciona com a da cidade do Rio. “Nosso objetivo é observar como a favela é subproduto do desenvolvimento da paisagem urbana carioca”, explica Duarte.
A favela da Rocinha é um exemplo dessa relação inseparável entre o processo de construção da cidade e das comunidades dos morros. Na década de 1930, ela se resumia a poucas casas. A especulação imobiliária no bairro de São Conrado fez com que a Rocinha crescesse vertiginosamente, pois nesse bairro havia oferta de emprego garantido na construção civil e nos novos prédios de luxo. Isso atraiu novos moradores, como famílias vindas do Nordeste. Hoje, a favela abriga 150 mil pessoas, de acordo com estimativas dos próprios moradores. O censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2000 mostrou um total de 56 mil habitantes.
A pesquisa da UFRJ pretende traçar um panorama das favelas do Rio em cada uma das doze décadas de sua existência. Os pesquisadores pretendem analisar, à luz dos acontecimentos que marcaram a cidade nesses diferentes momentos históricos, quais eram e como eram caracterizadas as favelas da cidade. Os dados obtidos na pesquisa serão sintetizados em mapas temáticos a serem disponibilizados em um portal. Os mapas devem incluir indicadores como a localização dos investimentos públicos e privados em cada década, a cobertura vegetal dos morros ou as favelas que foram removidas.
Documentos e imagens estão sendo analisados pela equipe, que também já deu início a uma série de visitas a favelas e entrevistas com moradores. Ao final, o grupo pretende produzir um banco de dados sobre as favelas cariocas que pode servir de base para novas pesquisas e para a elaboração de políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de vida dessas populações.
Por uma cidade mais sustentável
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Duarte afirma que a cidade tem muito a aprender com as favelas, tão estigmatizadas como redutos de violência. “Precisamos olhar para as favelas com mais imaginação e criatividade e tentar ver não somente seus problemas, mas como elas podem apontar soluções”, ressalta o arquiteto.
Na avaliação do pesquisador, a favela constitui, do ponto de vista humano e ecológico, uma cidade mais sustentável do que o chamado “asfalto”. “Essa cidade do ‘asfalto’ é desumana, projetada para o automóvel e não para pessoas”, afirma Duarte. “Não se podem descartar os ensinamentos que a favela nos traz. Ali as pessoas se conhecem e se ajudam, existem redes de solidariedade que amparam essa população. Isso é vida urbana. É essa vida que tem que vir para a cidade.” Ao longo da história, as favelas foram tratadas com indiferença pela sociedade, depois como um problema a ser extirpado, o que gerou mal sucedidas políticas de remoção. “Entender a remoção de uma favela para conjuntos habitacionais como solução é uma forma muito simplória de encarar o problema. Não basta dar uma casa. É o modelo econômico que produz a miséria e o excluído. Deve-se reverter estruturalmente esse processo.”
Para Duarte, a solução é mesmo a implantação de políticas sérias e contínuas de urbanização que assegurem que essas “outras cidades”, criadas à margem da oficial, tenham os mesmos direitos e infra-estrutura. “É uma grande omissão da sociedade e do poder público permitir que tantas pessoas fossem excluídas da cidade formal”, afirma Duarte. “É preciso acabar com a pobreza e promover a união das partes separadas da cidade, sem neutralizar essa vida que existe na favela. As diferenças que se somam geram um cotidiano mais agradável e mais rico.”
Tatiane Leal
Ciência Hoje On-line
04/09/2008
http://cienciahoje.uol.com.br/
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